Comércio transaariano: a África medieval e rotas comercias no deserto do Saara

África medieval

    A história do continente africano é complexa e extremamente antiga, portanto, o que será abordado aqui é um recorte histórico (tem lugar e tempo estabelecidos), diante disso, é importante ressaltar que esse continente não está limitado ao espaço e lugar que vamos observar, possuindo assim, várias outras regiões e relações complexas, sobretudo na Africa subsaariana.

    A África que os europeus medievais conheciam era apenas a região que é situada ao norte do imenso deserto do Saara, ou seja, eles apenas conheciam a região que era banhada pelo mar mediterrâneo. Já as terras abaixo desse imenso deserto (a África subsaariana), os europeus não tinham muitas informações, nos mapas da época, essas terras abaixo do deserto do Saara eram chamadas de Terras Incógnitas. Esse desconhecimento da África subsaariana, somada às teorias racistas formuladas pelos europeus no século XIX, fez com que se forjasse visões preconceituosas da África e de seus habitantes, por exemplo: apresentar a África como um “continente sem história”; dizer que os povos africanos se organizavam apenas em “tribos”; chamar as suas línguas africanas de “dialetos” e entre outras coisas. Porém, estudos e pesquisas desenvolvidas sobretudo após as independências africanas frente ao colonialismo europeu, vêm nos permitindo conhecer a rica e movimentada história da África, e, como consequência, nos permite conhecer a história dos africanos no Brasil.

    A História da África subsaariana na Idade Média é conhecida por meio de quatro fontes principais: Fontes escritas – essa documentação vem crescendo de acordo com novas pesquisas que vão surgindo, uma fonte escrita importante é a do reino de Axum (situado no norte da atual Etiópia), esse reino possuía uma escrita própria, e um exemplo de como utilizamos essa fonte histórica é que por meio de suas escritas em moedas nós pudemos saber quem eram os reis de Axum naquela época e etc.; outra fonte importante são as fontes escritas árabes – fazem parte dessa fonte histórica: roteiros de viagem, crônicas, textos enciclopédicos escritos por indivíduos muçulmanos (principalmente os muçulmanos do Norte da África); outra fonte que também se fazem presente são as fontes orais – esse tipo de fonte histórica na África subsaariana é de extrema importância, pois, vários relatos orais chegaram até nós, principalmente por meio dos griôs (poetas, músicos e cantores, que conservaram e transmitiram canções e histórias de seu povo): outra fonte importante são as fontes arqueológicas – cuja as escavações vem crescendo nas últimas décadas.

África: aspectos físicos

       O deserto do Saara divide o continente em dois, mas ele (o deserto) é cortado de sul a norte pelo rio Nilo que fica no leste do Saara. Já ao sul do Saara fica o Sahel (do árabe, sahil, que significa "costa" ou "fronteira"), esse é o nome que damos a uma longa faixa de terra que assim como o Saara, corta o continente africano de leste a oeste. O Sahel é uma área de ocupação humana antiga, e, ele é formado em grande parte por biomas de savana e cerrado.

    O deserto do Saara era habitado por povos nômades chamados de berberes. Esses povos, assim como vários outros, controlavam as rotas comerciais (e seus oásis) que ligavam o Sahel ao norte da África e ao comércio no mar mediterrâneo. No oeste e sul do Sahel viviam povos negros, chamados genericamente de sudaneses, e, a imensa área ocupada por eles era chamada de Sudão (em árabe, Biladal-Sudan, que significa “terra de negros”). O “Sudão ocidental” é cortado por dois rios importantes: o rio Senegal e o rio Níger, e, esses rios permitiam que os povos do Sahel ocidental tivessem água para fertilizar a terra e cultivar produtos agrícolas, além disso, esses rios serviam como via de locomoção e transporte.

Continente africano e seus aspectos físicos, aqui evidenciamos o deserto do Saara e a região do Sahel
Continente africano

O comércio pelo Saara e Sahel

    O comércio pelo Saara é bastante antigo, desde 4000 a.C., os egípcios usavam uma rota que ligava o vale do Nilo ao porto de Elim, no Mar Vermelho onde adquiriam produtos vindos da Arábia e da Ásia. Outra rota, mais distante, ligava o Egito ao rio Níger, em um percurso de 3,5 mil quilômetros cortando o deserto de leste a oeste. Já o comércio entre os povos negros do Sahel, os do norte da África e os da bacia do mediterrâneo era antigo, e, os produtos mais trocados eram matérias-primas, alimentos (peixe desidratado, sorgo, arroz, trigo, sal, azeite), pessoas escravizadas, camelos, cavalos, tecidos, ouro, cobre, espadas e marfim. Entre os séculos III e IV o camelo passou a ser utilizado sistematicamente no comércio transaariano.  Com o uso do camelo, que é um animal adaptado a climas desérticos, o deserto do Saara deixou de ser um mar de areia que separava os povos do Sahel dos povos da bacia mediterrânica e tornou-se uma ponte que unia as duas regiões. Já no comércio transaheliano um animal muito usado era a mula e o transporta em canoas.

    O comércio de escravos nessa região era bem lucrativo, pessoas escravizadas no Sahel eram vendidas e existem registros de escravos provenientes do Sahel tanto na Ásia quanto na Europa, mas esses escravos iam sobretudo para o harém e os exércitos de reis e califas. Soldados escravos eram muito valorizados pois, sendo estrangeiros, não tinham vínculos de lealdades locais ou de linhagem. Já o comércio do ouro era outro bastante lucrativo, pois, até pelo menos o século XVI a região do Sahel foi o maior produtor de ouro do mundo, visto que, os depósitos eram abundantes no vale dos rios Senegal e Níger. Outrora, o sal era um produto super valorizado nessa região, seu valor as vezes aproximava-se do valor do ouro e o mais importante centro de mineração de sal estava localizado no norte do atual Mali, em uma região desértica. Outra mercadoria bastante comercializada e apreciada era a noz-de-cola, que é um fruto muito consumido nas regiões do deserto Saara e da savana africana, seu sumo sacia a fome, a sede e reduz a fadiga graças ao seu alto teor de cafeína. A noz-de-cola era um artigo de luxo e era um dos raros estimulantes permitidos no mundo islâmico e ela é o fruto de uma árvore nativa da África Ocidental. Esse fruto era coletado em florestas fechadas e transportados até o Sahel, mas o percurso demorava muito até ser entregues aos comerciantes, e isso estragava boa parte do produto, daí o alto preço que a noz atingia para ser um artigo de luxo. Já em 1885, a noz-de-cola foi utilizada pelo farmacêutico norte-americano John Pemberton na preparação de uma bebida que daria origem à Coca-Cola, mas atualmente, o produto natural foi substituído por um sintético. No Brasil a noz-de-cola é conhecida como “obi” e ele considerado um fruto sagrado que é muito usado em cultos religiosos de matriz africana. 

    Outro ponto que é importante ressaltar, é que em muitos casos o comércio nessa região era voltado mais para um sistema de trocas (escambo) do que para algum tipo de sistema que desenvolve um excedente de produtos que permitisse desenvolvesse uma estrutura “econômica”. Já os produtos trocados eram tributados, e isso produzia em grande parte, uma riqueza que de certa forma constituía a base de sustentação do poder dos reis e imperadores.

Rotas e produtos do comércio transaariano e a representação da noz-de-cola ou "obi"

A difusão do Islã e os impérios do Sahel

    Além de produtos, as rotas transaarianas serviram para as conquistas muçulmanas e a difusão do islamismo, e as jihads contra os “infiéis” do Sahel causaram um grande impacto. A partir do século VII, com a expansão dos árabes muçulmanos no norte da África, os berberes do deserto foram islamizados e, enquanto comercializavam suas mercadorias no Sahel, difundiram o islamismo entre os povos negros da África ocidental, e, em alguns casos a religião islâmica se impôs, em outros se mesclou com as religiões tradicionais da região. Foi justamente na África ocidental marcada pela mescla do islamismo com religiões tradicionais africanas que se formaram dois importantes impérios africanos sudaneses: o de Gana e o de Mali.



Referências Bibliográficas

O comércio transaariano e os Estados do Sudão Ocidental séculos VIII-XVI. Disponível em: http://books.scielo.org/id/yf4cf/pdf/macedo-9788538603832-04.pdf

Rotas transaarianas: o intenso comércio através do deserto do Saara. Disponível em: https://ensinarhistoriajoelza.com.br/rotas-transaarianas/

Da Aethiopia à África: as idéias de África, do medievo europeu à Idade Moderna. Disponível em: https://www.revistafenix.pro.br/revistafenix/article/view/83

Trans-Saharan Migration to North Africa and the EU: Historical Roots and Current Trends. Disponível em: https://www.migrationpolicy.org/article/trans-saharan-migration-north-africa-and-eu-historical-roots-and-current-trends


Comentários

  1. Te amo. Isso que a escola pública gratuita brasileira precisa. Segundo a visão de formado Professor. Também pela lei 10.639/08 e 11.645/11.

    A história devia considerar o homo sapiens sapiens e sua cultura política desde 130 mil anos atrás.

    Leia a coleção SANKOFA da Elisa Larkin Nascimento. ( Livro 1, principalmente)

    A gente só vê o cro magnon, o homem leucodérmico e a partir do império romano. Isso enlouquece e adoece as pessoas.


    Ótimo blog.



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    1. Obrigado pelo elogio e pelo apoio, fico super feliz em ter esse reconhecimento pelo trabalho desenvolvido!

      E obrigado também pela indicação de livro ;)

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  2. Obrigado pelo conteúdo, me ajudou muito!

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    1. Que bom que gostou, espero que goste também dos outros artigos disponíveis no blog ;)

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